quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A FLORESTA DE ABETOS





Aos sábados “James” e “Super” passavam a tarde e o começo da noite na varanda da casa do “Johnny” ouvindo música e tomando umas garrafas, às vezes de rum, às vezes de vodka, no som tocava Donna Summer, Al Jarreau, Roberta Flack, Gloria Gaynor, Marvin Gave, Diana Ross, Billy Paul, entre outros.

- James, o que você acha desse prédio que estão construindo na avenida?
- Não sei cara, não acho legal, bem na frente da varanda.
- Vai tirar a visão aqui de casa.
- E se ficarmos no lado leste ou no lado oeste da varanda?
- Vão acabar construindo ali também.
- Cara, não sou ativista ecológico, mas estão construindo prédios demais.
- Porra, vamos ouvir, é “Last Dance”.

Na cidade não havia muitos carros, não havia prédios, não havia shopping, só uma estação de trem, uma pequena rodoviária, um ou dois mercados, um posto de gasolina, uma ou duas agencias bancárias, quase nada. Bom, havia a floresta de abetos lá no fundo, de frente para a varanda do Johnny, mas parecia que o tormento do progresso estava chegando.

- Vocês se lembram do “Nacional Kid”? Ele foi proibido de voar porque alguns não gostavam de heróis voadores.
- Mas, porque não gostavam?
- Diziam que eles faziam mal à família, aos bons costumes.
- Os prédios vão acabar com nossa visão da floresta de abetos.
- Já sei, vou comprar um binóculo.
- Pra que?
- Pra olhar as janelas, principalmente a noite.
- Vai fazer como “Jeffries”? Você não tem nenhuma “Lisa Carol” para te ajudar.
- “Jeffries”? “Lisa Carol”? Quem é “Jeffries”?
-  Johnny, poderíamos juntar dinheiro e comprarmos outra coisa ao invés de binóculos.
- Comprarmos o que Super?
- Um jeep, é disso que iremos precisar quando esta terra estiver cheia de prédios.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

MONTE ALEGRE



MONTE ALEGRE
Aos meus irmãos Cláudio Rangel, José Luiz, Fábio e nossos irmãos de infortúnio.

Na rua tinha uma espécie de sinalizador
A padaria ficava em frente a uma oficina mecânica
 E às vezes os tanques de guerra passavam por lá
Eu precisava saber a hora de atravessar a rua e pegar o ônibus à noite
Confesso que demorei um pouco para assimilar quando essa hora chegou
Durante uma tarefa de rotina nosso jeep capotou
O chefe da equipe dirigia o veículo e foi liberado
Nós fomos presos, o chão da cela era frio
As paredes pareciam nos espremer
Todos os relógios pararam
Só restou a vela acesa no canto
Que dava para o Monte Alegre
Não havia cobertor
Não havia cama ou colchão
Alguns dias não são esquecidos.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

NO CÉU HAVIA NUVENS




Ela não mora mais ali. O portão verde e a casa, que era grande, não existem mais. Ela gostava de passear pela praia, sempre pela manhã, porque era mais calmo, não tinha tantas pessoas. Quando sentia frio vestia um casaco que ia abaixo dos joelhos. Ela nunca viu o mar. Para passear na praia ficava desenhando no caderno, desenhava o mar, a areia, os sonhos e plainava na sua imaginação. Ela não gostava muito de bonecas, gostava do mar. Ela não tinha bonecas e morava longe, muito longe do mar. Seus irmãos não tinham bolas de futebol, não tinham carrinhos, brincavam no quintal.

- Crianças, todos para o quarto, arrumem a esteira, é hora de dormirem.

Já era tarde, não havia luz, a avó pegou o lampião da sala e levou as quatro crianças para o quarto. Elas abriram a esteira, forraram com lençol e deitaram. A janela ficava sempre aberta em noites quentes ou frescas como aquela. Não havia medo, elas estavam longe do mar, os tubarões vivem no mar. Elas estavam longe da selva, os leões vivem na selva.

- Sua bênção vó – disseram as crianças.
- Deus abençoe – disse a avó.
- Sua bênção tia, sua bênção mãe – gritaram as crianças.
- Deus abençoe – responderam a mãe e a tia lá cozinha, onde conversavam.

As luzes dos prédios são acesas ao anoitecer, é sempre noite.
São as cidades.
São as cidades.

Arnoldo Pimentel

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

PAISAGEM DA LUA



      Eu morei no Brooklyn. Morei um bom tempo no Brooklyn. Tenho muitas fotos dessa época. Fotos das esquinas e com amigos que convivi. As fotos são todas em preto e branco. Gosto de fotos em preto e branco, acho que são mais reais, mesmo sabendo que talvez a realidade seja melhor na paisagem da lua. Tenho fotos de pessoas com sacolas atravessando a rua e fotos nos bares com amigos e nossas cervejas. Às vezes eu ficava perto da ponte, são muitas pontes, mas havia uma ponte diferente, era a ponte sobre as águas na parte do rio perto da curva onde enterram corações, onde enterram histórias e astronautas doidões. De um lado do rio ficava a estação de trem, parecia a estação onde se tocava gaita, de tão isolada que era. Do outro lado ficava a parada do ônibus que partia às cinco da manhã para Manhattan e só retornava as sete da noite. A parada do ônibus ficava na porta do bar onde eu e meus amigos bebíamos nossa cerveja ouvindo Joan Baez e declamando poesia. Numa noite dois parceiros cantaram uma música de autoria deles:  "Ela é minha Joa Baez, Eu sou Bob Dylan dela". É a última lembrança que tenho do bar na parada do ônibus, do tempo que eu não sei se volta mais.
       Eu morei no Brooklyn tantas vezes que nem lembro mais. Ainda passeio por lá algumas vezes, mas não tiro mais fotos, agora é tudo em cores e as fotos não são reais.

Arnoldo Pimentel

sábado, 16 de agosto de 2014

SOBRE AS CORES DO DIA ANTERIOR

        Depois da chuva que durou a noite toda e parte da manhã a caminhonete parou em frente ao portão na rua silenciosa. O motorista buzinou para avisar ao morador que estava esperando. O homem de certa idade abriu a janela de madeira pintada de verde da casa pintada de branco e pediu que esperasse um minuto, fechou a janela, pegou duas sacolas que estavam sobre a mesa, depois pegou o maço de cigarros e os fósforos e colocou no bolso da camisa. Saiu da casa encostando a porta atrás si sem se preocupar em passar a chave, caminhou pelo quintal com dificuldade por causa da lama e da idade, abriu o portão, saiu, encostou o portão e entrou na caminhonete.

- Não vai trancar a porta da casa e o portão? – Perguntou o amigo.
- Não há quase nada na casa, só história, e talvez sem importância.
- Aonde vamos?
- Na paróquia, vou levar essas sacolas para a caridade.
- O que tem nas sacolas?
- Carne, decidi não comer mais carne.

O motorista ligou o veículo e foram devagar pela estrada molhada.
- Depois da paróquia você vai trabalhar?
- Não há o que colher, nem mais o que fazer.
- Sempre tem alguma coisa pra colher ou fazer.
- Não, não tem nada.
- Insisto que sempre há o que colher ou fazer.
- Não insista, não há mais nada para salvar nesse lugar.
- Se pensa assim.
- É a realidade. Tudo foi feito em vão. Foi um engano.
- E você pretende ir a algum lugar depois da paróquia?
- Pretendo passar nas trincheiras e ver os resíduos.
- Nas trincheiras só tem mortos.
- E nós o que somos? Vivos? Você acredita que somos vivos?


Arnoldo Pimentel

quarta-feira, 30 de julho de 2014

COISAS PRA FAZER NA CIDADE



Passei só pra ver vocês
Pra saber como estão
Como sempre faço
Desculpem-me por não demorar
Mas tenho coisas pra fazer na cidade
Que impedem de me ausentar ainda
Mas sei que um dia ficarei com vocês
Eu até gosto daqui
Gosto do gramado, das flores, do vento
Apesar dos carros, dos ônibus e dos trens
Que passam lá fora.

Arnoldo Pimentel