Ainda não havia amanhecido quando acordou, arrumou-se, arrumou o quarto, depois
caminhou lentamente,abriu a porta do quarto e saiu, atravessou a sala ainda
escura, olhou ao redor e sentiu um aperto no peito, mesmo assim foi até a
cozinha, preparou o desjejum com os ovos que restavam, misturou-os com feijão,
alimentou-se e sentiu pela última vez o aroma do feijão feito no fogão de
lenha. Então caminhou até a porta e saiu da casa que aprendeu a amar tanto.
O que mais apertava seu coração não era apenas o partir, mas olhar para trás e
ver que tudo que fez, tudo que lutou foi em vão. Todas as lágrimas que
brotaram do coração, todo suor que escorreu pelo rosto, tudo em vão.
Olhou para a casa que iria ficar abandonada mais uma vez, já estava com a
pintura desbotada pelo tempo, com aquele olhar triste da casa que ficará
sozinha, com as janelas fechadas por onde o vento e a luz do sol não mais
entrariam. A sala ficaria tomada pela poeira do abandono, sem receber visitas,
sem sorrir todos os dias. Os quartos já estão sentindo o vazio da solidão,
portas trancadas, colchas brancas cobrindo cama e colchão. Na cozinha, fogão de
lenha apagado, dispensa que há muito está vazia, sorriso triste que só
distancia.
Olhou para o norte, já não importava que direção tomar, talvez a da própria
sorte, sorte que insistia em não o acompanhar, em não o esperar em algum lugar,
em não o amar, preferiu olhar o horizonte antes de escolher seu rumo,
escolheria pelas nuvens, pelo céu claro e pelo céu cinza, mas de qualquer forma
não poderia mais esperar, já que seu destino era mesmo partir, no entardecer
queria estar bem longe dali, não levaria lembranças, todas eram amargas, eram
nada e só serviriam para entristecer seu olhar.
Começou a selar o cavalo, queria partir ainda bem cedo, antes que o sol
começasse a esquentar, assim poderia aproveitar mais o sol da manhã que era
mais brando, melhor para cavalgar. Assim selou o cavalo, encheu os cantis e
sentiu o vento soprando seu rosto, vento que vinha na planície, planície que
atravessaria para buscar seu sonho de finalmente encontrar um lugar onde
conseguisse vencer e ficar.
Foi saindo e com o olhar se despedindo, sentindo o balanço no caminhar do
cavalo, seu único companheiro há tempos e aos poucos tudo foi ficando pra trás.
Agora está passando pela cerca de madeira, era como se fosse a última
fronteira, dali em diante ficaria praticamente sozinho, sem casa, sem quintal e
sem cerca para aprisionar, mas estaria numa prisão ainda maior, uma prisão
coberta pelo céu quente no calor do sol durante o dia e frio nas noites,
estaria sim numa prisão maior, apesar da ilusória liberdade em campo aberto,
estaria numa prisão de desventura, na prisão da solidão que estaria sempre em
seu caminho.
Tudo ficou no passado, sua casa, seu olhar, seus sonhos e sua vida.
Arnoldo
Pimentel
Amigo (a) leitor (a), seja sempre bem vindo (a), este
conto faz parte da Trilogia Contos da Solidão, se puder leia os outros contos
da solidão, de minha autoria, links abaixo, desde já agradeço, muito obrigado
mesmo.
A QUITANDA
GDÁNSK